Marcos do Terceiro Reich viram destino de peregrinação de neonazistas, se tornam objeto de preocupação do e geram polêmica: a história, mesmo que vergonhosa, pode ser apagada?
João LoesA TUMBA DE RUDOLF HESS
Desde 1987, a tumba de Rudolf Hess, o terceiro homem na linha de poder da Alemanha nazista,
localizada no cemitério da cidade de Wunsiedel, era ponto de encontro de neonazistas.
Em junho, o governo local exumou o corpo, cremou os restos e espalhou as cinzas.
O local, porém, continua sendo visitado por simpatizantes do nazismo
Aos que conhecem o caso pela metade, deve soar esquisita a história do sino que, mesmo chumbado ao chão e sem nenhuma possibilidade de badalar, incomoda a pacata cidade de Tümlauer-Koog, no norte da Alemanha. Explica-se: doado pelo partido nazista em 1935, o objeto celebra o Terceiro Reich e reaviva incômodas lembranças do regime que exterminou mais de seis milhões de pessoas com aprovação de boa parte do país. Restaurada e em exposição desde 2008, a imensa peça exibe, orgulhosamente, quatro suásticas nitidamente gravadas em sua superfície e homenageia Hermann Göring, homem forte de Adolf Hitler e segundo na linha de poder do país até o fim da Segunda Guerra Mundial.
Para piorar a situação de Tümlauer-Koog, o local tem sido visitado por simpatizantes do nazismo e neonazistas, como já acontece em outros locais que guardam restos dos tempos em que Hitler conduzia a nação à loucura genocida. “Mas esconder ou destruir o objeto não é a solução”, afirma Yone de Carvalho, professora do departamento de história da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Essa foi uma das propostas feitas por Peter Harry Carstensen, governador do Estado de Schleswig-Holstein, onde fica a cidade de Tümlauer-Koog. Em novembro, depois de receber uma carta de um turista de Hamburgo que visitou a cidade e se chocou com o que viu, ele avançou sobre Christian Marwig, prefeito de Tümlauer-Koog, exigindo a remoção do sino até que as suásticas e frases fossem apagadas. A sugestão não foi bem recebida. “Por que escondê-lo?”, questionou Marwig. “Ele é parte da história da cidade.” Mas não é só o sino que liga Tümlauer-Koog ao nazismo.
A terra onde hoje está a cidade nem sequer existia antes de 1935. Naquele ano, a região, perto da fronteira com a Dinamarca, foi dragada do mar como parte do programa “terra e sangue”, criado pelos nazistas para valorizar e ampliar o território alemão. Os futuros habitantes foram escolhidos a dedo como modelos da pureza racial buscada pelos partidários do nacional-socialismo. O sino foi dado à localidade durante a cerimônia solene de sua inauguração, que contou com a presença de Göring e outros oficiais do alto escalão do partido. “Alguém realmente acredita que remover um objeto vai ser suficiente para apagar a memória desse lugar?”, pergunta Abraham Goldstein, presidente do braço nacional da entidade judaica de direitos humanos B’nai B’rith, presente em mais de 50 países. “Não faz sentido.”
Outros exemplos confirmam a desconfiança de Goldstein. Em julho, os administradores do cemitério de Wunsiedel, na Bavária, resolveram exumar, cremar e espalhar as cinzas de um de seus mais infames moradores, Rudolf Hess, segundo homem na linha de poder da Alemanha nazista. Enterrado lá desde 1987, seu túmulo atraía verdadeiras peregrinações de neonazistas, que organizavam marchas no dia de sua morte, 17 de agosto, e colocavam rosas e recados no jazigo. Concluída a limpeza, que deixou um estranho buraco entre os mármores do campo santo, se esperava que as visitas dos simpatizantes do Terceiro Reich cessassem. Não foi o que aconteceu. No lote vazio de Hess, sempre aparecem maços de flores e homenagens. “Sou pela preservação da história com contextualização adequada”, diz Goldstein.
Uma das reclamações do turista que escreveu ao governador Carstensen sobre o sino de Tümlauer-Koog tratava justamente do ponto levantado por Goldstein. A placa que explica a origem do objeto não dá detalhes do momento histórico em que ele foi criado nem explicita os horrores do nazismo. Não é impossível supor, por exemplo, que o sino tenha sido forjado por prisioneiros do regime. E nada disso consta ali. “A construção da memória acontece de forma dinâmica”, alerta Yone, da PUC-SP. Nesse sentido, largar objetos com carga subjetiva tão gigantesca sem contextualização abre caminho para interpretações que muitas vezes não condizem com a realidade. “Com as visitas constantes de neonazistas, vemos esses espaços ganhando novos significados”, diz. Trata-se de um processo inevitável, que não para mesmo se a peça for escondida, como propôs o governador Carstensen, porque a lembrança dela continuará ali. A única saída, portanto, é fornecer a informação correta a quem se depara com esses símbolos incômodos para que a voz fraca, mas insistente, do neonazismo não encontre eco.
Para piorar a situação de Tümlauer-Koog, o local tem sido visitado por simpatizantes do nazismo e neonazistas, como já acontece em outros locais que guardam restos dos tempos em que Hitler conduzia a nação à loucura genocida. “Mas esconder ou destruir o objeto não é a solução”, afirma Yone de Carvalho, professora do departamento de história da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Essa foi uma das propostas feitas por Peter Harry Carstensen, governador do Estado de Schleswig-Holstein, onde fica a cidade de Tümlauer-Koog. Em novembro, depois de receber uma carta de um turista de Hamburgo que visitou a cidade e se chocou com o que viu, ele avançou sobre Christian Marwig, prefeito de Tümlauer-Koog, exigindo a remoção do sino até que as suásticas e frases fossem apagadas. A sugestão não foi bem recebida. “Por que escondê-lo?”, questionou Marwig. “Ele é parte da história da cidade.” Mas não é só o sino que liga Tümlauer-Koog ao nazismo.
A terra onde hoje está a cidade nem sequer existia antes de 1935. Naquele ano, a região, perto da fronteira com a Dinamarca, foi dragada do mar como parte do programa “terra e sangue”, criado pelos nazistas para valorizar e ampliar o território alemão. Os futuros habitantes foram escolhidos a dedo como modelos da pureza racial buscada pelos partidários do nacional-socialismo. O sino foi dado à localidade durante a cerimônia solene de sua inauguração, que contou com a presença de Göring e outros oficiais do alto escalão do partido. “Alguém realmente acredita que remover um objeto vai ser suficiente para apagar a memória desse lugar?”, pergunta Abraham Goldstein, presidente do braço nacional da entidade judaica de direitos humanos B’nai B’rith, presente em mais de 50 países. “Não faz sentido.”
Outros exemplos confirmam a desconfiança de Goldstein. Em julho, os administradores do cemitério de Wunsiedel, na Bavária, resolveram exumar, cremar e espalhar as cinzas de um de seus mais infames moradores, Rudolf Hess, segundo homem na linha de poder da Alemanha nazista. Enterrado lá desde 1987, seu túmulo atraía verdadeiras peregrinações de neonazistas, que organizavam marchas no dia de sua morte, 17 de agosto, e colocavam rosas e recados no jazigo. Concluída a limpeza, que deixou um estranho buraco entre os mármores do campo santo, se esperava que as visitas dos simpatizantes do Terceiro Reich cessassem. Não foi o que aconteceu. No lote vazio de Hess, sempre aparecem maços de flores e homenagens. “Sou pela preservação da história com contextualização adequada”, diz Goldstein.
Uma das reclamações do turista que escreveu ao governador Carstensen sobre o sino de Tümlauer-Koog tratava justamente do ponto levantado por Goldstein. A placa que explica a origem do objeto não dá detalhes do momento histórico em que ele foi criado nem explicita os horrores do nazismo. Não é impossível supor, por exemplo, que o sino tenha sido forjado por prisioneiros do regime. E nada disso consta ali. “A construção da memória acontece de forma dinâmica”, alerta Yone, da PUC-SP. Nesse sentido, largar objetos com carga subjetiva tão gigantesca sem contextualização abre caminho para interpretações que muitas vezes não condizem com a realidade. “Com as visitas constantes de neonazistas, vemos esses espaços ganhando novos significados”, diz. Trata-se de um processo inevitável, que não para mesmo se a peça for escondida, como propôs o governador Carstensen, porque a lembrança dela continuará ali. A única saída, portanto, é fornecer a informação correta a quem se depara com esses símbolos incômodos para que a voz fraca, mas insistente, do neonazismo não encontre eco.
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