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quarta-feira, 31 de agosto de 2011

Julgamentos dos Crimes de Guerra Nazistas

O banco dos réus e os membros do conselho de defesa durante o Julgamento dos Médicos. Foto tirada em Nuremberg, Alemanha, de 9 de dezembro de 1946 a 20 de agosto de 1947.

O banco dos réus e os membros do conselho de defesa durante o Julgamento dos Médicos. Foto tirada em Nuremberg, Alemanha, de 9 de dezembro de 1946 a 20 de agosto de 1947.
— United States Holocaust Memorial Museum

A lei é uma das formas de obtenção de justiça após a ocorrência de um genocídio. Quando a Segunda Guerra Mundial teve fim, cortes judiciais estrangeiras e nacionais efetuaram julgamentos de acusados de crimes de guerra. No início do inverno de 1942 os governos das forças Aliadas anunciaram sua decisão de punir os criminosos de guerra do Eixo. Em 17 de dezembro de 1942, os líderes dos Estados Unidos, Grã-Bretanha e União Soviética emitiram a primeira declaração conjunta registrando oficialmente o assassinato em massa de judeus europeus e informando sua decisão de processar os responsáveis por crimes contra populações civis.
Assinada pelos ministros das relações exteriores dos governos dos Estados Unidos, Reino Unido e União Soviética em outubro de 1943, a Declaração de Moscou dizia que durante o tempo de duração de qualquer armistício as pessoas consideradas responsáveis por crimes de guerra deveriam ser devolvidas aos países nos quais os crimes haviam sido cometidos, onde seriam julgadas de acordo com as leis da nação em questão. Os “grandes” criminosos de guerra, cujos crimes não poderiam ser atribuídos a nenhuma área geográfica específica, seriam punidos de acordo com decisões conjuntas dos governos Aliados. Após a Guerra, os julgamentos dos principais oficiais alemães perante o Tribunal Militar Internacional (TMI), o mais conhecido dos tribunais que julgavam crimes de guerra, aconteceram em Nuremberg, na Alemanha, perante juízes que representavam as forças Aliadas.
Entre 18 de outubro de 1945 e 1º de outubro de 1946, o TMI julgou 22 "grandes" criminosos de guerra sob acusações de crimes contra a paz, crimes de guerra e crimes contra a humanidade, além de terem conspirado para cometê-los. O TMI definiu crimes contra a humanidade como "assassinato, extermínio, escravidão, deportação ou perseguições com bases políticas, raciais ou religiosas". Doze destes condenados foram sentenciados à morte, dentre eles, o marechal do Reich Hermann Göring, Hans Frank, Alfred Rosenberg e Julius Streicher. O TMI sentenciou três réus à prisão perpétua e quatro deles a períodos de prisão que variavam entre 10 e 20 anos. O tribunal absolveu três dos acusados.
Sob a égide do TMI os tribunais militares norte-americanos em Nuremberg conduziram outros 12 julgamentos de oficiais alemães de alta patente. Estes julgamentos são, em geral, denominados pelo termo coletivo Processos Subseqüentes de Nuremberg. Entre dezembro de 1946 e abril de 1949, os promotores norte—americanos levaram ao Tribunal 177 pessoas e obtiveram a condenação de 97 réus, entre eles médicos famosos, membros das Einsatzgruppen (Unidades Móveis de Extermínio) e da administração da justiça alemã, do Ministério das Relações Exteriores, e do Alto Comando, bem como industriais proeminentes que se serviram do regime nazista.
A esmagadora maioria dos julgamentos de crimes de guerra após 1945 envolveu oficiais de baixa patente e funcionários. Nos primeiros anos do pós-guerra as quatro forças Aliadas-- Estados Unidos, Grã-Bretanha, França e União Soviética – que ocuparam a Alemanha e a Áustria, levaram aos tribunais e condenaram, em suas respectivas zonas de ocupação, um grande número de criminosos por crimes durante a Guerra. Muitos dos primeiros julgamentos nas áreas ocupadas, principalmente naquela controlado pelos Estados Unidos, referiam-se a assassinatos de militares das forças Aliadas que haviam sido capturados e assassinados pelas tropas alemãs ou de outros países do Eixo. Com o tempo, no entanto, os Aliados estenderam seus mandatos jurídicos para julgar guardas, comandantes e outros funcionários dos campos de concentração que haviam cometido crimes contra os judeus e outros grupos que também haviam sofrido perseguição nas áreas que, naquele momento, estavam ocupadas pelos Aliados. Grande parte do nosso conhecimento inicial sobre o sistema de campo de concentração alemão vem das provas apresentadas e dos depoimentos das testemunhas nestes julgamentos.
Os oficiais de ocupação Aliados estavam interessados em uma desnazificação da Alemanha, e viam a reconstrução do sistema judiciário alemão como um passo importante naquela direção. A Lei nº 10 do Conselho de Controle dos Aliados, de dezembro de 194, autorizava os tribunais de justiça alemães a proferirem sentenças sobre crimes cometidos durante os anos de Guerra por cidadãos alemães contra seus concidadãos ou contra apátridas. Por esta razão, os oficiais de ocupação deixaram os crimes de eutanásia – nos quais as vítimas e os criminosos eram, em sua maioria, cidadãos alemães – para serem julgados pelos tribunais alemães que haviam sido ressurgido. Aqueles processos representaram os primeiros julgamentos nacionais alemães do período pós-Guerra. A República Federal da Alemanha (Alemanha Ocidental) e a República Democrática Alemã (ex Alemanha Oriental) continuaram a realizar julgamentos de réus da época do nazismo nas décadas seguintes ao seu estabelecimento como estados independentes. Até hoje, a República Federal Alemã (desde o período em que era denominada Alemanha Ocidental até o presente) já realizou um total de 925 julgamentos de réus que cometeram crimes na época nacional-socialista (nazista). Muitos críticos afirmavam que os julgamentos alemães, principalmente aqueles realizados nas décadas de 1960 e 1970, distribuíam absolvições ou sentenças leves para réus mais velhos ou para acusados que alegavam cumprir ordens superiores.
Muitas nações que foram ocupadas pela Alemanha durante a Segunda Guerra, ou que colaboraram com os alemães na perseguição às populações civis, principalmente aos judeus, também realizaram julgamentos nacionais nos anos posteriores à Segunda Guerra. A Polônia, a antiga Tchecoslováquia, a ex União Soviética, a Hungria, a Romênia, e a França, entre outros, julgaram milhares de réus, tanto alemães quanto colaboradores nativos, nas décadas posteriores a 1945. A União Soviética realizou seu primeiro julgamento, o Julgamento de Krasnodar, contra colaboradores nativos em 1943, muito antes do fim da Segunda Guerra. Talvez o mais famoso julgamento nacional pós-guerra na Polônia tenha acontecido em 1947 na cidade da Cracóvia, cujos tribunais julgaram diversos funcionários do campo de concentração de Auschwitz, sentenciando seu comandante, Rudolf Höss, e a outros assassinos à morte. Um dos julgamentos nacionais mais famosos teve lugar em Jerusalém: o julgamento de Adolf Eichmann, principal arquiteto da deportação dos judeus europeus, perante um tribunal israelense, em 1961; o acontecimento chamou a atenção mundial e acredita-se que tenha despertado o interesse de uma nova geração pós-guerra sobre os crimes do Holocausto.
Infelizmente, muitos perpetradores da criminalidade nazista nunca foram julgados ou punidos. Em muitos casos, os perpetradores alemães dos crimes nazistas fugiram ou simplesmente voltaram às suas vidas e profissões normais na sociedade alemã. A perseguição aos criminosos de guerra alemães e de outros países do Eixo continua ainda hoje.

O Terceiro Reich: Uma Visão Geral

Membros da Juventude Hitlerista marcham na presença do seu líder, Baldur von Schirach (à direita, efetuando a saudação), e de outros oficiais nazistas, incluindo Julius Streicher.  Foto tirada em Nuremberg, Alemanha, 1933.

Membros da Juventude Hitlerista marcham na presença do seu líder, Baldur von Schirach (à direita, efetuando a saudação), e de outros oficiais nazistas, incluindo Julius Streicher. Foto tirada em Nuremberg, Alemanha, 1933.
— United States Holocaust Memorial Museum

A chegada dos nazistas ao poder colocou fim à República de Weimar, uma democracia parlamentar estabelecida na Alemanha após a Primeira Guerra Mundial. Com a nomeação de Adolf Hitler como chanceler, em 30 de janeiro de 1933, a Alemanha nazista (também chamada de Terceiro Reich) rapidamente tornou-se um regime no qual os alemães não possuíam direitos básicos garantidos. Após um incêndio suspeito no Reichstag, o parlamento alemão, em 28 de fevereiro de 1933, o governo criou um decreto que suspendia os direitos civis constitucionais e declarou estado de emergência, durante o qual os decretos governamentais podiam ser executados sem aprovação parlamentar.
Nos primeiros meses da chancelaria de Hitler, os nazistas instituíram uma política de "coordenação"—o alinhamento dos indivíduos e instituições com os objetivos nazistas. A cultura, a economia, a educação, e as leis passaram ao controle nazista. O regime nazista também tentou "coordenar" as igrejas alemãs e, apesar de não obter sucesso total ganhou apoio da maioria dos clérigos católicos e protestantes.
Uma ampla campanha de propaganda foi levada a efeito para disseminar os objetivos e ideais do regime. Com a morte do presidente alemão Paul von Hindenburg em agosto de 1934, Hitler assumiu os poderes da presidência. O exército fez a ele um juramento de lealdade pessoal. A ditadura de Hitler baseava-se em suas posições como Presidente do Reich (chefe de estado), Chanceler do Reich (chefe de governo), e Führer (chefe do Partido Nazista). Segundo o "princípio Führer", Hitler colocava-se fora do estado de direito e passou a determinar as questões políticas.
Hitler tinha a última palavra tanto na legislação nacional quanto na política externa alemã. Esta última era guiada pela crença racista de que a Alemanha era biologicamente destinada a expandir-se para o leste europeu por meio de força militar, e de que uma população alemã, maior e racialmente superior, deveria ter domínio permanente sob o leste europeu e a União Soviética. Nesta crença as mulheres exerciam um papel muito importante como reprodutoras. A política populacional agressiva do Terceiro Reich encorajava as mulheres "racialmente puras" a darem à luz ao maior número possível de crianças "arianas".
Dentro daquele sistema, as pessoas "racialmente inferiores" como os judeus e os ciganos deveriam ser eliminadas. A política externa nazista tinha como objetivo, desde o início, travar uma guerra de aniquilação contra a União Soviética e, para isto utilizou os anos de paz anteriores à eclosão da Guerra para preparar o povo alemão para o conflito. No contexto desta guerra ideológica, os nazistas planejaram e colocaram em prática o Holocausto, ou seja, o assassinato em massa dos judeus, considerados os principais inimigos "raciais" dos alemães.
Críticas explícitas ao regime eram reprimidas pela Gestapo, a polícia secreta do estado, e pelo Serviço de Segurança (SD) do partido nazista, mas o governo de Hitler era popular entre a maioria dos alemães. A pequena oposição ao estado nazista, variava desde a não conformidade a uma tentativa, abortada, de assassinar Hitler no dia 20 de julho de 1944.
Os Aliados derrotaram a Alemanha nazista e obtiveram sua rendição em 8 de maio de 1945.

O Anti-Semitismo Nazista

Ilustração de um livro nazista destinado a crianças.  Os títulos dizem: "Os judeus são a causa do nosso infortúnio" e "Como o judeu trapaceia".  Foto tirada na Alemanha, 1936.

Ilustração de um livro nazista destinado a crianças. Os títulos dizem: "Os judeus são a causa do nosso infortúnio" e "Como o judeu trapaceia". Foto tirada na Alemanha, 1936.
— United States Holocaust Memorial Museum

A palavra anti-semitismo significa preconceito contra ou ódio aos judeus. O Holocausto é o exemplo mais radical de anti-semitismo na história. Apoiados pelo governo, os nazistas alemães e seus colaboradores perseguiram e exterminaram 2/3 dos judeus da Europa entre 1933 e 1945. Em 1879, o jornalista Alemão Wilhelm Marr criou o termo anti-semitismo, que significa ódio contra judeus, e também a não-aceitação de tendências liberais e cosmopolitas da política internacional dos séculos 18 e 19, muitas vezes associadas à imagem dos judeus. As tendências atacadas pelos nazistas abrangiam a igualdade de direitos civis entre os cidadãos de um país, a democracia constitucional, o livre comércio, o socialismo, o capitalismo financeiro, e o pacifismo.
A existência de um ódio específico dirigido contra os judeus antecede a era moderna e a criação do próprio termo anti-semitismo. Entre suas manifestações mais comuns e destrutivas, estão os pogroms, palavra russa que descreve os grandes ataques de violência contra os israelitas, muitas vezes apoiados por autoridades governamentais. Os pogroms eram normalmente provocados por “libelos de sangue”, falsos rumores de que os judeus usavam o sangue de crianças cristãs em seus rituais.
Na era moderna, entre 1870 e o final do século 19, os anti-semitas adicionaram uma dimensão política à sua ideologia de ódio, criando partidos políticos anti-judaicos na Alemanha, França e Áustria. Publicações fraudulentas, como “Os Protocolos dos Sábios de Sião”, deram legitimidade e apoio a falsas teorias de uma conspiração judaica mundial. Deve-se enfatizar que um forte componente do anti-semitismo político é o nacionalismo exacerbado, cujos adeptos muitas vezes acusam, através das mais variadas mentiras, os judeus de não serem cidadãos leais a seus países.
O movimento xenófobo Voelkisch, Movimento Popular, foi criado no século 19 por filósofos, acadêmicos e artistas alemães que consideravam o espírito judaico como diferente e inferior ao alemão, moldando assim a percepção popular de que os judeus, ainda que nascidos na Alemanha, filhos, netos, e bisnetos de israelitas daquele país, não eram alemães. Teóricos de uma antropologia racial fraudulenta forneceram o embasamento pseudocientífico para difusão desta idéia. O Partido Nazista, fundado em 1919 e liderado por Adolf Hitler, deu expressão política às teorias do racismo europeu e, incentivando o anti-semitismo latente da população alemã, ganhou popularidade ao apoiar e disseminar este tipo de propaganda política. Milhões de pessoas compraram o livro “Mein Kampf” (Minha Luta), no qual Hitler clamava pela expulsão dos judeus da Alemanha.
Em 1933, com a ascensão dos nazistas ao poder, o partido ordenou boicotes econômicos aos judeus, a queima de livros judaicos, além de aprovar uma legislação discriminatória anti-semita. Em 1935, as Leis de Nuremberg definiram os judeus empregando termos raciais errôneos, pelo “sangue”, e ordenaram a separação total dos chamados “arianos” dos “não-arianos”, legalizando assim a hierarquia racista, onde os alemães estavam no topo e os demais povos abaixo. Na noite de 9 de Novembro de 1938, os nazistas destruíram sinagogas e vitrines de lojas de propriedade de judeus na Alemanha e na Áustria, fato que ficou conhecido como o pogrom da Kristallnacht, Noite dos Vidros Quebrados. Este evento marcou a transição de uma era de anti-semitismo velado para outra, a da destruição, durante a qual o genocídio foi o foco único do anti-semitismo nazista.



A 'Solução Final': Plano de Aniquilação Total do Povo Judeu

Judeus do gueto de Lodz colocados em trens de carga para serem deportados para o campo de extermínio de Chelmno. Foto tirada em Lodz, Polônia, entre 1942 e 1944.

Judeus do gueto de Lodz colocados em trens de carga para serem deportados para o campo de extermínio de Chelmno. Foto tirada em Lodz, Polônia, entre 1942 e 1944.
— National Museum of American Jewish History, Philadelphia

Os nazistas freqüentemente usavam eufemismos para disfarçar a natureza real dos seus crimes. O termo "Solução Final" foi empregado para se referir ao plano de aniquilação total do povo judeu, e não se sabe ao certo quando os líderes da Alemanha nazista decidiram implementa-la. O genocídio, ou extermínio em massa dos judeus, foi o ápice de uma década de graves medidas discriminatórias contra eles, e que cresciam em severidade a cada ano.
Sob a liderança de Adolf Hitler, a perseguição e a segregação dos judeus foram implementadas por etapas. Depois que o Partido Nazista alcançou o poder na Alemanha, em 1933, o racismo por ele apoiado permitiu a criação de leis anti-semitas, gerou boicotes econômicos e grandes ondas de violência contra os judeus, tais como o pogrom conhecido como a Kristallnacht, Noite dos Cristais, que tinham por objetivo isolar sistematicamente os israelitas da sociedade alemã e forçá-los a deixar o país.
Após setembro de 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia, ocasionando assim o início da Segunda Guerra Mundial, as políticas anti-semitas evoluíram para o encarceramento e até assassinato dos judeus europeus. Inicialmente, os nazistas instituíram os guetos, que eram áreas fechadas, destinadas a isolar e controlar os judeus, nas regiões que os alemães denominavam Generalgouvernement, o território conquistado à Polônia no centro e ao leste daquele país, que era administrado por um governo civil alemão, e também em Warthegau, a maior subdivisão da área incorporada à Alemanha, no oeste polonês. Judeus poloneses e de países na parte ocidental da Europa foram deportados para os guetos, onde viviam em condições higiênicas precárias, superlotação, e alimentação inadequada.
Após junho de 1941, quando a Alemanha invadiu a União Soviética, as SS (organização paramilitar ligada ao Partido Nazista alemão) e grupos da polícia que agiam como unidades móveis de extermínio iniciaram operações de assassinato de comunidades judaicas inteiras naquela área, matando indiscriminadamente todos os seus membros. No outono de 1941, elas introduziram as câmaras de gás móveis, nas quais o cano de escapamento dos caminhões utilizados havia sido reajustado para liberar um gás letal, o monóxido de carbono, dentro dos compartimentos totalmente vedados na carroceria, matando a quem ali estivesse, em complementação às operações de fuzilamento já em curso.
No dia 17 de julho de 1941, quatro semanas após a invasão da União Soviética, Hitler delegou ao Comandante das SS, Heinrich Himmler, a responsabilidade para cuidar dos assuntos de segurança na URSS ocupada. Hitler conferiu a Himmler autoridade para eliminar fisicamente quaisquer ameaças ao domínio alemão. Duas semanas depois, em 31 de julho de 1941, o líder nazista Hermann Goering autorizou ao General das SS, Reinhard Heydrich, o início das preparações necessárias para a implementação da "solução final para a questão judaica".
No outono de 1941 Himmler, comandante das SS, designou o general alemão Odilo Globocnik (das SS e chefe da polícia do Distrito de Lublin) para implementar o plano de eliminação dos que viviam sob o Generalgouvernement. O nome escolhido para aquele plano foi "Operação Reinhard", em homenagem ao acima mencionado Reinhard Heydrich, que havia sido assassinado por partisans tchecos em maio de 1942. Três campos de extermínio--Belzec, Sobibor e Treblinka--foram criados na Polônia com o objetivo único de facilitar o extermínio em massa.
De tempos em tempos, o campo Majdanek também servia como local de extermínio de judeus residentes na área doGeneralgouvernement. Nele existiam câmaras de gás que as SS usaram para assassinar dezenas de milhares de israelitas que haviam sido trabalhadores escravos, mas que agora estavam fracos demais para exercer qualquer tipo de atividade. No centro de extermínio de Chelmno, a cerca de 50 quilômetros a noroeste da cidade de Lodz, as SS em conjunto com a polícia mataram, pelo menos, 152.000 pessoas, sendo a maioria delas israelitas, além de milhares de ciganos do grupo romas. Na primavera de 1942, Himmler determinou que Auschwitz II (Auschwitz-Birkenau) tornar-se-ia uma "fábrica" de extermínio em grande escala, e lá cerca de um milhão de judeus, de diversos países da Europa, foram assassinados.
O objetivo da "Solução Final" era exclusivamente o de exterminar todos os judeus europeus. Assim, nos campos de extermínio, as SS e a polícia alemã assassinaram cerca de 2.700.000 judeus utilizando mecanismos de asfixia por gás venenoso ou por fuzilamento, e 3.300.000 outros israelitas morreram devido às atrocidades cometidas contra eles pelos alemães e seus colaboradores, por fome, maus-tratos, espancamento, frio, doenças, experiências “médicas”, e outras formas de crueldade inimagináveis. No total, seis milhões de judeus--homens, mulheres e crianças--foram mortos pelos nazistas durante o Holocausto, aproximadamente 2/3 dos judeus que viviam na Europa antes da Segunda Guerra Mundial.



Fonte: http://www.ushmm.org/wlc/ptbr/article.php?ModuleId=10005151

segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Sítio Arqueológico da Segunda Guerra Mundial

Quase todo o território da Rússia Ocidental foi um campo de batalha, mas quem imaginaria que cavando alguns metros, encontrariam toneladas de equipamentos, munição e até ossadas perdidas da Segunda Guerra Mundial.


































































terça-feira, 16 de agosto de 2011

Josef Mengele na América do Sul





Documentos inéditos reconstituem os passos de Josef Mengele na América do Sul e mostram como ele usou a identidade real na Argentina, no Uruguai e no Paraguai.

Como exigia a lei no Uruguai, em 1958, um singelo proclama de casamento foi publicado no jornal do povoado de Nova Helvécia, a 120 Km de Montevidéu.

O oficial Pedro Izacelaya anunciou o nome dos noivos e recomendava: quem soubesse de algum impedimento contra a união deveria denunciá-lo durante os oito dias de divulgação do registro, a contar de 17 de Julho.

Casariam-se Marta Maria Will e Josef Mengele. Ela viúva e dona de casa. Ele divorciado, médico, nazista e torturador sádico, responsável direto pela morte de ao menos 3 mil pessoas em experimentos bizarros no campo de extermínio de Auschwitz.

Ninguém apresentou obstáculos. E Mengele retomou a rotina tranqüila de empresário bem sucedido em Buenos Aires. Até que a Alemanha pedisse a sua extradição em 1959, o homem que mereceu ser chamado de Anjo da Morte sobreviveu na barbas de autoridades alemãs, argentinas, uruguaias e paraguaias incólume. E feliz.

Gunzburg é um vilarejo ao sul da Alemanha. Parece pintado a mão. Ali a família Mengele é reverenciada. Em 1907, Karl Mengele comprou uma fábrica de máquinas agrícolas e faria dela uma das maiores da Europa. Sob novos donos, existe ainda hoje, batizada Mengele Agrartechnik. Boa parte dos moradores esta empregada lá.

Há 100 anos, em 16 de março, Karl e a esposa, Walburg, tiveram o primeiro de três filhos, Josef. Karl esperava que o primogênito, "assumisse os negócios e perpetuasse a dinastia", afirmam Gerald Posner e Jonh Ware em Mengele: The Complete Story (sem edição no Brasil). Mas o ambicioso Josef queria construir sua própria fama. Dizia que todos ainda veriam seu nome na enciclopédia.

O rapaz estudou medicina e antropologia nas universidades de Munique e Frankfurt. Em 1937, já formado descolou uma vaga no Instituto para Hereditariedade , Biologia e Pureza Racial da universidade de Frankfurt e filiou-se ao partido nazista. No ano seguinte, ingressou na SS, que administrava os campos de extermínio.

Casou-se pouco depois com Irene Schoenbein, mãe de seu único filho, Rolf. Entre 1939 e 1942. Mengele lutou no front oriental e recebeu cinco medalhas por bravura.

O emprego que, enfim, o colocaria na enciclopédia veio em 1943: um posto de médico em Birkenau, parte do complexo de Auschvitz, na Polônia. O sempre elegante doutor ganhou sinal verde para realizar atrocidades “em nome da ciência". Era parte de sua função selecionar os presos recém chegados. Em segundos, analisava as feições de cada um e mandava-os as fileiras da direita ou da esquerda: trabalho escravo ou a morte. Assim teria determinado a execução de 200 mil a 400 mil pessoas.

Um terceiro destino era reservado a certos prisioneiros, sobretudo os gêmeos: servir de cobaia em testes cruéis. O jornalista Bem Abraham, 86 anos, lembra-se muito bem daquele homem de macabra imponência. “Mengele liderava a junta médica que fez a seleção de meu grupo. Era o Anjo da Morte mesmo. Ele decidia com um polegar quem iria para os fornos crematórios e quem seria usado nas experiências. Nunca vou esquecer".

Abrahan conseguiu escapar e mora no Brasil. Perdeu a mãe ali. Outros sobreviventes recordam como ele, á primeira vista, muito bem educado e galante, desarmava suas vítimas.

Não há consenso sobre onde Mengele viveu logo após o fim da Segunda Guerra. O Exercito Vermelho invadiu Auschwitz e libertou 7,6 mil prisioneiros em 27 de janeiro de 1945.

Nazistas como Adolf Eichmann e Erich Priebke seguiram rotas semelhantes, mas Mengele tinha um diferencial. Ele sempre viveu como um milionário, diz o historiador Argentino Carlos de Nápoli, que investiga a trajetória do carrasco há trinta anos.

O médico se amparava na fortuna do pai – multiplicada durante o nazismo graças a mecanização da agricultura e depois na reconstrução do país. Para ajuda-lo, Karl entrou em contato com Jorge Antonio, braço direito de Perón e homem de confiança dos alemães no Rio da Prata. Argentino de origem Síria, el Turco enriqueceu noa anos de 1950 usando seus vínculos com o poder, a ponto de se tornar presidente da filial argentina da Mercedez Benz e sócio de dezenas de outras empresas.

A Mercedes ajudou vários nazistas, a exemplo de Eichman. Mengele, porém não precisou de emprego. Criou suas próprias empresas com o dinheiro paterno. Os investimentos foram feitos por meio do empresário alemão radicado na Argentina Roberto Mertig, dono da fábrica de fogões Orbis. Uma das firmas que ele montou foi a Tameba (sigla em espanhol de Oficinas Metalúrgicas de Buenos Aires). “Ele fabricava hastes de torneira e vendia para Eichmann, que nessa época, trabalhava na industria de sanitários FV, do alemão Franz Viegener”.

O Carrasco levava uma vida social regular na capitalo do Tango (onde esta curiosamente, a maior comunidade judia da América Latina. A ponto de fazer parte de um grupo que jogava Bridge no qual havia judeus, relata Gerald Astor em "Mengele, O Ultimo Nazista". Ele se sentia tranqüilo sabendo que havia uma rede de proteção no Estado. E ela continuou mesmo após o golpe contra Perón, em 1955, afirma Sergio Widder, diretor do Centro Simon Wiesenthal.

Em 1956, um novo negócio, o laboratório Fradofarm (fábrica de drogas farmacêuticas). E voltou a ser Josef Mengele. Na embaixada alemã, deu o nome e endereço e pedou uma cópia da certidão de nascimento. Com ela, obteve uma cédula de identidade argentina.

O nazista saiu do armário (teve até o nome na lista telefônica) para garantir sua participação na herança da família. A essa altura, seu pai estava á beira da morte e ele precisava recuperar seu nome. "Se continuasse como Helmut Gregor, não receberia nada. Assim o segundo passo foi retomar a identidade”, diz De Nápoli. O seguinte seria se casar com a viúva do irmão mais novo, Kal Jr.

Sim, Marta Maria era sua cunhada. Chegara a Argentina com o filho, Karl Heinz, em 1956. Como divorciados não podiam se casar no país, Mengele foi com ela ao Uruguai. Com as bênçãos de Karl pai, ambos garantiram que os bens da família não se dispersassem. Em maio de 1985, a policia alemã fez uma busca na casa de Hans Sedlmeier, que havia sido procurador da empresa de maquinas dos Mengeles, em Gunzburg, e encontrou cartas escritas por Josef Mengele e remetidas do Brasil pelos Bosserts. O delegado Romeu Tum, superintendente da PF, foi informado e interrogou o casal.

Eles disseram que encobriram Mengele entre 1970 e 1979. Em fevereiro daquele ano,
já com a saúde debilitada, o médico foi a convite deles passear em Bertioga, no
litoral paulista... E teria se afogado, talvez vítima de um derrame. No boletim de ocorrência, o morto é o austríaco Wolfgang Gerhard. Na verdade, esse era o nome do sujeito que apresentou Mengele aos Bosserts.

A tumba de Mengele, revelaram os Bossert, estava no cemitério do Rosário, em Embu, Grande São Paulo. Uma equipe de legistas exumou os restos do corpo, em junho de 1985, e concluiu que eram do nazista. Em 1992, um exame de DNA confirmou a descoberta. A análise utilizou uma amostra de sangue de Rolf, filho do carrasco, e foi conbduzida pelo geneticista britânico Alec Jonh Jeffreys.

Sete anos antes Rolf dissera não ter percebido no pai, na visita a São Paulo, nenhum sentimento de culpa ou remorso.

Marco Antonio Veronezi, ex diretor regional da PF, recorda a expectativa mundial que havia em torno do cadáver achado em Embu. Estranhamos o fato de conhecidos de Mengele aparecerem anos após a morte, para falar da ossada. Abrahan sempre duvidou da ossada. Aponta há anos uma série de incongruências, inclusive entre o corpo e a ficha médica do nazista na SS. Para ele o médico fabricou um sósia.

Para Carlos De Nápoli, a “farsa’ dos restos no Brasil foi criada, mais uma vez, para fins econômicos. A Fradofarm não foi vendida e seus testas de ferro, Ernest Timermann e Heinz Truppel, iam até a Alemanha para prestar contas.

A família nunca requisitou o corpo.

De todo o material publicado pelo criminoso nazista Josef Mengele a partir de 1960, quando ele se tornou conhecido do grande público, após a chegada á Argentina do pedido de extradição feito pela republica federal da Alemanha, destaca-se o enorme valor documental da autobiografia de Miklos Nyisxli, prisioneiro judeu que foi assistente de Mengele em Auschwitz. Também médico, o autor realizava autopsias das vítimas mortas em vários experimentos e enviava os resultados a um endereço: Berlin Dahlen, Institut Fur Rassenbiologische Forschunagen(...), Um dos institutos mais famosos do mundo.”

Em outro trecho, diz: “Os gêmeos morreram na mesma hora. Agora jazem aqui, sobre minha mesa para dissecação dos cadáveres. Graças a sua morte, agora será possível analisá-los por meio de uma autópsia e descobrir o segredo da multiplicação humana. O grande objetivo dessas investigações é, de fato, a multiplicação da raça superior. Trata-se, exatamente de colocar uma mãe alemã em condições de criar sempre gêmeos no futuro. Esse plano é uma loucura! Foi promovido pelos loucos teóricos da raça do Terceiro Reich. E, para as pesquisas necessárias, encarregam o doutor Mengele(...), Esse criminoso é capaz de passar horas comigo entre microscópios e fármacos, ou de estar na mesa de anatomia, com o jaleco sujo de sangue, observando e tocando com as mãos, também sujas de sangue. Trata-se da multiplicação da raça germânica: o objetivo final é que haja alemães suficientes para repovoar os territórios chamados de Lebensraun, ou seja espaço vital do Terceiro Reich, depois de deixa-los limpos da presença de tchecos, húngaros, poloneses, holandeses e outras populações". Nyiszli conseguiu obter, com os resultados das autópsias que podia analisar, uma aproximação bastante certeira dos planos finais dos nazistas. No entanto como muita gente, nunca conseguiu compreende-los em sua real extensão.

Isso se deve a que, por motivos políticos, o verdadeiro ideólogo racial do nazismo, o argentino Ricardo Walther Darré, passou como um fantasma pelas páginas da História. Darré foi a primeira pessoa a levar á prática as idéias raciais nazistas, impondo aos integrantes da SS, desde 1929, todo o tipo de restrição a sua admissão. Rambém fundou a Rusha, sigla em alemão de Escritório Central de Raça e Reassentamento.

FONTE DE PESQUISA:
Revista Aventuras na História; Editora Abril, matéria de Eduardo Szklars, resportagem de Eduardo Cordeiro.
http://rodrigoenok.blogspot.com/2011/03/o-segredo-da-multiplicacao-humana.html

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Significado das Tatuagens no Holocausto






"Os designados como tal eram tatuados por meio de uma placa de metal com agulhas interligadas, a placa ficava  presa na carne, ao lado esquerdo de seu peito e, em seguida, o corante era espalhado sobre a ferida".




A evolução da tatuagem no Complexo de Campo de Concentração de Auschwitz
por George Trenton
Sobrevivente de Auschwitz, com base em documentos obtidos nos Estados Unidos Holocaust Memorial Museum


          Para muitos, as linhas azuis borradas de um número de série em um antebraço são uma imagem indelével do Holocausto.
         As tatuagens dos sobreviventes passaram a simbolizar a brutalidade dos campos de concentração e a tentativa dos nazistas de desumanizar as suas vítimas. As tatuagens também são um testemunho da resistência daqueles que tiveram de suportá-las. 

     No entanto, apesar da importância das tatuagens, como testamento, símbolos e artefatos históricos, pouca atenção tem sido dedicada ao assunto. Não existe virtualmente nenhum períodico de  documentos oficiais relativos à prática, o que sabemos vem de evidências lendárias contida nos registos do campo e as contas daqueles que estavam no campo.


         O Campo de Concentração de Auschwitz (incluindo Auschwitz 1, Auschwitz-Birkenau e Monowitz) foi o único local em que os prisioneiros eram sistematicamente tatuados durante  o Holocausto. 
        Antes da tatuagem, havia vários meios de identificação de presos, tanto em número quanto por categoria foram implementadas; números de série eram o principal método. Quando eles chegaram ao acampamento, foram emitidos os números de série que foram costuradas para seus uniformes de prisão. Estes números de série na maioria das vezes acompanhava os presos de diferentes formas, símbolos ou letras que identificava o estado, nacionalidade ou religião do prisioneiro. 
        Esta prática continuou mesmo após a tatuagem ser introduzida.

          
          A seqüência, segundo a qual os números de série foram emitidos evoluiu ao longo do tempo. O esquema de numeração foi dividido em "regular", AU, Z, EH, A e Série B ". 

         A série "regular consistia em uma série consecutiva numérica que foi usado, na fase inicial do campo Auschwitzc, para identificar os polacos, judeus e a maioria dos presos (todos do sexo masculino). 

         Esta série foi utilizada a partir de maio 1940 a janeiro de 1945, embora a população que se identificou evoluiu ao longo do tempo. Na sequência da introdução de outras categorias de prisioneiros para o campo, o esquema de numeração tornou-se mais complexo. 

         O "AU" série denotando prisioneiros de guerra soviéticos, enquanto a série "Z (com" Z palavra alemã para Gypsy, Zigeuner) designou os ciganos. Estas letras para identificar os números tatuados eram precedidas de séries depois de terem sido instituídos. "EH"  designava os prisioneiros que tinham sido enviados para "reeducação" (Erziehungshäftlinge). 

        Esses presos ou tinham recusado a trabalhar em trabalho forçado ou foram acusados de trabalhar de uma forma que não foi considerado satisfatório. 

         Eles foram enviados para campos de concentração ou "campos especiais de educação para o trabalho" (Arbeitserziehungslager) durante um determinado período de tempo não superior a 56 dias. Inicialmente, os números de série pertenciam à série regular, em fevereiro de 1942 uma série separada foi instituído para a categoria de EH e respectivos números de registo de idade foram transferidos.

       
       As mulheres não foram registradas a partir de números da mesma série que os homens. As primeiras prisioneiras do sexo feminino chegaram em março de 1942, e foram emitidos os números em uma nova série regular, assim como os homens tinham sido. Com o número de mulheres presas trazidas para o campo de concentração, um novo número de série foi lançado nas respectivas categorias.

       Em maio de 1944, os números da série "A" e a série "B foram emitidos pela primeira vez aos prisioneiros judeus, começando com os homens em 13 de maio e as mulheres em 16 de maio. A série "A" era para ser preenchida com 20 mil, porém um erro levou que as mulheres fossem numeradas de 25.378 antes da série "B começar. 


       A intenção era trabalhar com o alfabeto inteiro com 20 mil números a ser emitido em cada série de cartas. Em cada série, os homens e as mulheres tiveram sua própria série separada numérica, aparentemente começando com o número 1.


       
      Havia, no entanto, muitas exceções a esta regra e as informações existentes sobre o número de série, são uma das ferramentas para determinar o número de presos que vieram através do complexo de Auschwitz. Presos selecionados para o extermínio imediato foram praticamente exterminados sem números, e muitos prisioneiros de guerra soviéticos e presos policiais (Polizeihäftlinge) enviados da prisão de Myslowice, devido à superlotação não foram registrados.

    É geralmente aceito que a tatuagem dos prisioneiros começou com a chegada de prisoneiros Soviéticos em Auschwitz em 1941. Cerca de 12.000 prisioneiros de guerra soviéticos foram levados e registrados no complexo do campo de concentração de Auschwitz entre 1941-1945, a maioria chegou em outubro de 1941 a partir de Stalag 308 em Neuhammer. 

       Eles mantiveram suas fardas do exército, que foram pintados com uma faixa e as letras SU (União Soviética), em tinta a óleo. Em novembro, uma comissão especial liderada pelo chefe da Gestapo Kattowitz, Dr. Rudolf Mildner, chegou a Auschwitz. 

   Seguindo as orientações de uma ordem operacional do 17 de julho de 1941, o prisioneiros de guerra soviéticos foram divididos em grupos descrito como "fanático comunista", "politicamente suspeito", "não é politicamente suspeito" ou "adequado para a reeducação."

     Depois de um mês, o Comissão tinha apontado a cerca de 300 "comunistas fanáticos. Os designados como tal eram tatuados por meio de uma placa de metal com agulhas ligadas que ficava presa na carne, no lado esquerdo de seu peito e, em seguida, o corante era espalhado sobre a ferida. 

    A tatuagem  "AU" (para Auschwitz), seguido de um número que os prisioneiros Soviéticos tinham escrito no peito com tinta indelével, que fazia com que a identificação desaparecesse com o tempo. Assim esse tipo de tatuagem de prisioneiros Soviéticos era eventualmente aplicado.

      Em 11 de novembro de 1941, no feriado nacional da Polônia, as autoridades do campo executaram 151 prisioneiros em Auschwitz. Antes da execução, o número de prisioneiros foi escrito em no peito da vítima (se ele fosse executado a curta distância) ou em uma perna (se ele fosse baleado por pelotão de fuzilamento). "A enfermaria do acampamento" também adotou a prática de escrever um número de prisioneiro em seu tórax.

    O número de presos trazidos para o complexo de Auschwitz aumentou junto com  a taxa de mortalidade. Mas se um cadáver estava separado de seu uniforme, a identificação ficava  quase impossível. Como muitas vezes centenas de prisioneiros morriam por dia, outros métodos de identificação eram necessários. 

   Em Birkenau, o método utilizado para os prisioneiros de guerra soviéticos, implementado para os presos cujas mortes eram iminentes, consistia nas tatuagens feitas mais tarde, com caneta e tinta no antebraço esquerdo superior. Em 1942, os judeus se tornaram o grupo dominante em Auschwitz. Eles foram tatuados com base em números da série regular até 1944, seus números foram precedidas por um triângulo, o mais provável para identificá-los como judeus.

     Na Primavera de 1943, a maior parte dos prisioneiros eram tatuados, mesmo aqueles que haviam sido registrados anteriormente. Havia, no entanto, exceções notáveis. Étnicos alemães, prisioneiros de reeducação, presos policiais e presos selecionados para o extermínio imediato não eram tatuados.

     Embora não possa ser determinado com certeza absoluta, parece que a tatuagem foi aplicada principalmente para facilitar a identificação, no caso de morte ou fuga; a prática continuou até os últimos dias de Auschwitz.

Notas:
* Polizeihäftlinge é um termo geral que pode ser usado para indicar alguém preso pela Gestapo. Estes prisioneiros podem ter sido criminosos de carreira (Befristeter Vorbeugungshäftlinge), também conhecido no jargão do acampamento como Berufsverbrecher), os prisioneiros de proteção (Schutzhäfilinge), ou presos reeducação (Erziehungshäftlinge).

Fonte: Centro de Estudos do Holocausto e Genocídio

Doutores da Agonia Pela Ciência Nazista

Eles utilizaram humanos como cobaias de pesquisas macabras. Agora estudos dizem que essas experiências guardam informações valiosas para a humanidade



Rodrigo Rezende, da Alemanha

      
       "Camarada, por favor, peça ao oficial que acabe conosco com uma bala", suplicou o soldado russo. Depois de 3 horas dentro de um tanque de água gelada, ele já não suportava mais a sensação de congelamento no corpo. "Não espere compaixão daquele cão fascista", respondeu o colega que dividia o tanque com ele. 
       Quando o cientista responsável pelo experimento descobriu o significado das palavras de suas cobaias, retirou-se para o escritório. Voltou com um revólver na mão. Não para atender ao pedido do soldado, mas para ameaçar seus assistentes na experiência. "Não se intrometam. Nem se aproximem deles!" Passaram-se mais duas horas de agonia antes que o alívio da morte chegasse para os russos. Assim como eles, pelos menos outros 300 prisioneiros dos nazistas foram usados em experimentos destinados a entender os efeitos do frio no corpo humano - a hiportermia. 
       A maioria não teve a sorte de um final rápido. Ao chegarem ao limite entre a vida e a morte, eram reanimados e expostos novamente a temperaturas baixas.
       As descrições acima são apenas um exemplo de como alguns cientistas alemães se adaptaram ao ideário nazista sob o governo de Adolf Hitler. E não deixam qualquer dúvida de que, eticamente, a ciência produzida na Alemanha entre as décadas de 1930 e 1940 foi repugnante. 
       Os experimentos causaram dor, humilhação e mortes terríveis às pessoas confinadas em campos de concentração - fossem elas judias, ciganas, homossexuais ou qualquer tipo de inimigo do regime. Acontece que os responsáveis por essas "pesquisas" podiam ser sádicos, mas não eram leigos. Pelo contrário. Muitos foram formados nas escolas mais tradicionais do planeta - antes da chegada dos nazistas ao poder, a Alemanha era um dos líderes mundiais em inovação científica. 
       Metódicos como só pesquisadores alemães podem ser, eles sistematizaram as experiências, coletaram dados, chegaram a conclusões. E geraram informações que, além de inéditas na época, nunca mais foram reproduzidas em testes sérios - afinal de contas, e ainda bem, não é todo dia que aparece alguém propondo jogar ácido na pele de um ser humano para entender como nosso corpo reage à substância.
       As pesquisas sobre hipotermia, por exemplo, além de matar centenas de prisioneiros do campo de Dachau, produziram dados que existem até hoje - e que alguns cientistas gostariam de usar em pesquisas atuais. 
       O médico Robert Pozos, diretor do Laboratório de Hipotermia da Universidade de Minnesota, nos EUA, é um deles. Ele estuda como nosso corpo responde ao frio para descobrir a melhor maneira de reanimar pessoas que cheguem quase congeladas aos hospitais. Mas o trabalho de Pozos enfrenta um sério problema: muitas de suas pesquisas não podem ser concluídas, pois há risco de morte quando a temperatura dos voluntários do estudo cai abaixo de 36 ºC. 
       A única fonte conhecida de dados sobre seres humanos nessas condições são os experimentos nazistas. É ético utilizá-los com o intuito de salvar vidas? Pozos respondeu que sim. Em seguida, viu a New England Journal of Medicine, uma das mais respeitadas revistas médicas do mundo, se recusar a publicar a pesquisa.
       E você, o que faria se estivesse no lugar de Pozos? Para enfrentar essa delicada questão, é necessário encarar o extenso legado científico que o nazismo deixou. Até há pouco tempo, esse universo era bastante desconhecido. Estudos recentes, porém, lançaram nova luz em direção ao que sabemos sobre a ciência no período. Afinal, houve experimentos de qualidade no nazismo? O que acontece com a ciência sob um regime tão desumano?

Ciência e nazismo
       Planície de Ypres, fronteira entre Bélgica e França, 17h do dia 22 de abril de 1915, Primeira Guerra Mundial. Entrincheirados, soldados do Exército francês observam, atônitos, um inimigo desconhecido se aproximar. Alguns compreendem logo que é impossível combatê-lo e batem em retirada. Outros permanecem parados, sem saber o que fazer. Não têm idéia de como lutar contra o oponente mais letal que já enfrentaram: uma espessa nuvem verde-amarelada, de 1,5 m de altura.
       Dez minutos antes de a arma mortal varrer o ar, uma tropa que parecia saída de um filme de ficção científica havia tomado a dianteira do Exército alemão. O Pionierkommando 36 era um batalhão formado por cientistas com uniforme militar e máscaras protetoras, liderados por nada menos que um ganhador do Prêmio Nobel de Química, o alemão Fritz Haber. Ao sinal de Haber, foram abertos 730 cilindros, com 100 quilos cada um, de gás cloro em forma líquida. Assim nasceu a nuvem que, carregada pelo vento, partiu em direção à tropa inimiga, corroendo pulmões e cegando. 
       Quando a bruma esverdeada se dissipou, os únicos integrantes do Exército aliado que permaneceram incólumes em seus postos foram 50 canhões. O saldo de estréia do novo gênero de combate: 10 mil mortos e 5 mil feridos.
       A qualidade dos cientistas envolvidos no projeto científico-militar alemão dá a dimensão da importância e complexidade da parceria. Fritz Haber, por exemplo, foi responsável por uma descoberta que não só permitiu à Alemanha prolongar a Primeira Guerra, mas hoje nos permite produzir alimento para 6 bilhões de pessoas: a técnica de fixação da amônia a partir do nitrogênio do ar serviu tanto à criação de explosivos quanto ao desenvolvimento de fertilizantes baratos. 
      Otto Hahn, outro laureado com o Nobel que liderou um ataque com gás, foi um dos descobridores do processo de fissão nuclear, que é usado em bombas atômicas, mas também em usinas de energia. "O Exército alemão se convenceu de que a ciência desenvolveria armas superiores, que compensariam as restrições à produção de armamento impostas pelo Tratado de Versalhes", diz o pesquisador do Instituto Max Planck, Helmut Maier. "Após a guerra, a elite científica levou o país à liderança nos ramos de balística, química, aviação e construção de foguetes."
       Veterano da Primeira Guerra, Adolf Hitler conhecia bem o poder dessa ciência militar - ele chegou a ser internado com cegueira temporária após um ataque com gás nos campos de batalha. E sabia que, caso alcançasse o poder, faria da ciência um dos pilares da nova Alemanha.
       Mas o interesse do führer trazia um problema. Ele podia até admirar a ciência, mas não entendia nada do assunto. "Hitler não era devidamente instruído em ciência. Ele apenas seguia seu instinto, seu feeling", diz o historiador alemão Joachim Fest, um dos mais importantes biógrafos do líder nazista. Na cúpula nazista, a situação não era melhor. Heinrich Himmler, segundo homem na hierarquia, mandava cientistas investigar a relação entre os canhotos e a homossexualidade ou pesquisar a genealogia dos cavalos dos antigos reis nórdicos. "Himmler era a verdadeira encarnação da pseudociência", diz Michael Kater, autor de Doctors Under Hitler ("Doutores de Hitler", sem tradução em português).
       Naturalmente, Hitler não via problema nessas idéias. Na verdade, ele se considerava um cientista de vanguarda - era um entusiasmado adepto da teoria da higiene racial, doutrina "científica" que prega a eliminação dos genes não arianos do povo alemão. Em seu livro Mein Kampf ("Minha Luta"), de 1925, ajudou a disseminar uma metáfora bastante útil para o progresso da nova doutrina: "O povo alemão é um só corpo, mas a sua integridade está ameaçada. Para manter a saúde do povo, é preciso curar o corpo infestado de parasitas". 
       Os parasitas eram os judeus. O que há de científico nisso? Nada. Mas, às vésperas da ascensão de Hitler, já estava bem difícil discernir o que era ou não ciência. "Desenvolveu-se uma relação simbiótica entre ideologia e ciência. A ciência, nessa época, começou a funcionar como legitimação das idéias racistas do nazismo", diz Helmut Maier. E era essa mistura insólita que os cientistas teriam de enfrentar, se quisessem permanecer na Alemanha após 10 de janeiro de 1933, dia em que Hitler tomou o poder.

Hitler domina a ciência
        Em 6 de maio de 1933, um dos mais importantes cientistas da Alemanha bateu à porta do escritório de Hitler, em Berlim. Foi bem recebido pelo führer, que ouviu com atenção sua tentativa de abrandar a perseguição a pesquisadores judeus: "Há diversos tipos de judeus, alguns valiosos e outros inúteis para a humanidade", argumentou o pesquisador.   
        Hitler respondeu: "Se a ciência não pode passar sem judeus, teremos de nos haver sem a ciência!" E começou a berrar, falando cada vez mais rápido e tremendo de raiva. Com isso, o visitante se calou e despediu-se, desapontado. 
        Naquele dia, Max Planck, pai da física quântica e presidente do Kaiser Wilhelm Institute (hoje Instituto Max Planck), não conseguiu o que queria: evitar a demissão do amigo judeu Fritz Haber, aquele mesmo que comandara a primeira tropa de gás da história. Planck foi um dos cientistas que optaram por continuar na Alemanha nazista, mesmo não concordando com os ideais do novo regime. 
        O físico Max von Laue, que costumava sair de casa com um embrulho debaixo de cada braço para não ter de fazer a saudação nazista, tomou a mesma decisão. Planck e Laue encorajavam colegas a não deixar o país, dizendo que deveriam esperar por dias melhores.
        Nem todos no mundo da ciência, porém, compartilhavam da mesma opinião. "A conduta dos intelectuais alemães como grupo não foi melhor que a de uma ralé", afirmou Albert Einstein a respeito da reação de seus pares ao nazismo. Einstein, que era judeu, foi criticado por Laue quando decidiu abandonar a Alemanha rumo aos EUA, em 10 de março de 1933 - um mês antes de uma lei expulsar todos os descendentes de judeus do funcionalismo público, fazendo cerca de 1000 cientistas de elite perderem o emprego.  
       Passariam-se mais 30 dias até que universitários alemães saíssem às ruas para aplaudir as chamas que consumiram mais de 10 mil livros em praças públicas por toda a Alemanha. Se Einstein ainda estivesse no país, seria apenas um desempregado observando suas obras sobre a Teoria da Relatividade desaparecerem nas fogueiras do Reich. Mais um pouco de tempo e talvez o próprio Einstein cumprisse a profecia do poeta alemão Heinrich Heine: "Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas".
       Se alguns cientistas foram culpados por silenciar, outros não hesitaram em aderir ao ideário racista. Um ramo em especial aceitou com bons olhos a limpeza dos "parasitas" judeus: a medicina. Em 1933, 44,8% dos médicos alemães eram filiados ao partido nazista.  
       Era a maior proporção de representação entre todas as profissões. Os advogados, que vinham em segundo lugar, não passavam de 25%. Além de profundamente anti-semita, a classe médica alemã era, em geral, favorável às políticas da higiene racial. Quando a lei de esterilização compulsória de doentes físicos e mentais foi lançada, em 1934, os médicos a implementaram imediatamente. Tampouco se opuseram quando a prática foi estendida à população não ariana. Com isso, mais de 350 mil pessoas foram esterilizadas à força no período de 1934 a 1945. Era a ciência ajudando a concretizar a nova sociedade sonhada por Hitler.
       Mas nem todos tiveram estômago para embarcar no projeto do führer. Max Planck, por exemplo, não suportou o clima no país e deixou seu emprego em 1937. Já não estava na Alemanha quando seu filho Erwin foi executado por envolver-se num plano para matar Hitler. 
       Seu amigo Fritz Haber teve um enfarto e morreu em 1934. Nunca soube que muitos de seus parentes seriam mortos pelo gás que ajudou a desenvolver. Na iminência das batalhas da Segunda Guerra Mundial, em 1939, apenas os cientistas considerados "mais fortes" pelos nazistas permaneceram no país. 

Laboratórios do inferno
       "Escutem, colegas, já que vocês vão matar toda essa gente, pelo menos arranquem os cérebros deles", disse, em 1939, o professor de medicina Julius Hallervorden aos
encarregados da eutanásia de doentes mentais, um programa que exterminava quem recebesse dos médicos o diagnóstico de lebensunwertes leben, ou "vida indigna de viver"
       Foi assim que Hallervorden formou uma coleção que, em 1944, contava com 697 cérebros. Entre seus favoritos, estava o de uma menina cuja mãe fora envenenada acidentalmente por gás enquanto estava grávida.
       August Hirt, médico da Universidade de Estrasburgo (então na Alemanha, hoje na França), não queria só cérebros, mas cabeças inteiras. E não poderiam ser entregues quaisquer cabeças, tinham de ser de judeus. 
       Logo ele percebeu que, se conseguia cabeças sem problemas, por que não pedir corpos inteiros? Encomendou 115 prisioneiros a Auschwitz, que foram prontamente executados em junho de 1943 e enviados para Estrasburgo. 
       Em agosto, chegou outro carregamento com cerca de 80 cadáveres, todos usados para estudos sobre a superioridade anatômica do povo ariano.
       Mas médicos como Hirt e Hallevorden ainda não tinham as mesmas possibilidades que Sigmund Rascher, responsável pelo campo de concentração de Dachau: usar cobaias humanas vivas. "Sou, sem dúvida, o único que conhece por completo a fisiologia humana, porque faço experiências em homens e não em ratos", costumava dizer com orgulho aos colegas. 
       Rascher era admirado e protegido por Himmler, entusiasta das pesquisas "científicas" a ponto de assistir aos terríveis experimentos em câmaras de baixa pressão, para os quais forneceu prisioneiros em maio de 1941. Das cerca de 200 cobaias que passaram pelas câmaras de pressão até maio de 1942, 80 morreram durante os testes. 
       Algumas tiveram o cérebro dissecado enquanto ainda estavam vivas para que o médico pudesse observar as bolhas de ar que se formavam nos vasos sanguíneos. Em seguida, Rascher começou as experiências sobre hipotermia. Era ele o médico responsável pelo experimento com os soldados russos do início desta reportagem.
       Rascher foi um dos pioneiros entre os 350 médicos que oficialmente se envolveram em experiências nos campos de concentração. Se considerarmos o número de pacientes assassinados, Rascher não foi páreo para o mais sanguinário dos doutores de Hitler: Joseph Mengele, cujas experiências foram responsáveis pelo extermínio de 400 mil pessoas em Auschwitz. 
      Mengele injetou tinta azul em olhos de crianças, uniu as veias de gêmeos, jogou pessoas em caldeirões de água fervente, amputou membros de prisioneiros, dissecou anões vivos e coletou milhares de órgãos em seu laboratório. Depois da guerra, conseguiu escapar e viveu escondido no Brasil até sua morte, em 1979. 
      Oficialmente, comprou sua fuga com anéis de casamento e dentes de ouro que retirava dos cadáveres. Segundo o cientista alemão Benno Müller-Hill, a história não é bem essa. "Muito embaraço teria sido causado se ele tivesse revelado para onde mandou o material humano", diz o autor de Murderous Science ("Ciência Assassina", sem tradução em português), livro precursor da nova onda de estudos sobre a ciência nazista.
      Se você chegou até aqui, deve estar há algum tempo com uma questão incômoda: "O que se passava na cabeça desses médicos?" O psiquiatra Robert Lifton tem uma teoria a respeito: um processo psicológico que chamou de doubling. "O doubling é a dissociação do eu, que leva à formação de uma espécie de segundo eu", diz. Professor de Harvard e autor de The Nazi Doctors ("Os Doutores Nazistas", sem tradução em português), Lifton percebeu as características do doubling em muitos dos "doutores" que entrevistou para seu livro. 
      Na rua, eram éticos, carinhosos e respeitadores. Nos campos de concentração, monstros. "Eles falavam do que fizeram sem envolvimento emocional, como se estivessem narrando os atos de outra pessoa", diz.
      O horror nazista transformava a mente dos médicos. Mas e as vítimas? Na tentativa de entender o trauma causado pelas experiências, a Super procurou em São Paulo a judia polonesa Bluma Reicher, de 83 anos. Ao ouvir um pedido para descrever as cirurgias a sangue-frio pelas quais passou em Auschwitz há mais de 60 anos, a única resposta que Bluma deu foram lágrimas. A entrevista acabou aí.
      Karl Hoellenrainer, um cigano, respondeu de outra maneira. Ao encontrar no tribunal de Nuremberg o homem que o obrigou a tomar água salgada por 4 semanas e depois arrancou pedaços do seu fígado, sacou uma adaga e pulou o balcão que separava testemunhas e réus. Queria matar seu algoz ali mesmo. Não teve sucesso e foi sentenciado no mesmo dia, 27 de junho de 1947, a 3 meses de prisão.
      A exposição de tantos atos desumanos cometidos deixa a impressão de que, em pleno século 20, o nazismo levou a ciência de volta à idade das trevas. Até bem recentemente, era exatamente essa a visão que a maioria dos historiadores tinha do período. Novos estudos, porém, estão revelando a realidade muito mais complexa que se escondia sob um manto de atrocidades e absurdos científicos.

Outra visão
      Naquela cidade, era preciso paciência para conseguir acender um cigarro. O fumo estava proibido em todas as áreas públicas, incluindo escritórios e salas de espera. 
      No trem, havia risco de multa para quem não prestasse atenção e puxasse um isqueiro no vagão de não-fumantes. Até dentro do próprio carro era arriscado fumar. Se um guarda sentisse cheiro de fumaça em um automóvel envolvido numa batida, o dono poderia ir direto para a cadeia. 
      Apesar de uma certa semelhança com as metrópoles atuais, a cidade em questão é a Berlim da década de 1940. E as medidas antitabagistas, só comparáveis às existentes nos nossos dias, foram implementadas pelos nazistas, os únicos que tinham acesso ao conhecimento científico necessário para desenvolvê-las.
      "Os nazistas foram os primeiros a fazer estudos estatísticos rigorosos que provaram a relação entre o hábito de fumar e o câncer de pulmão", afirma Robert Proctor, historiador da ciência e professor da Universidade Stanford, nos EUA, e autor deThe Nazi War on Cancer ("A Guerra Nazista contra o Câncer", sem tradução em português). 
       É uma ironia que a origem de uma das maiores descobertas médicas do século 20 esteja relacionada a um efeito psicológico da doutrina de higiene racial. A esse efeito Proctor deu o nome de paranóia homeopática. "Os nazistas tinham pavor de agentes minúsculos que poderiam corromper o corpo alemão. Eram obcecados por ar limpo, comida natural e um estilo de vida saudável." 
       E foi justamente a obsessão que empurrou a ciência alemã em direção aos mais avançados estudos anticâncer. "O mesmo fanatismo que nos deu Mengele também nos deu a preciosa pesquisa antitabagista. A verdade é que a política científica nazista foi muito mais complexa que a maioria das pessoas imagina."
       Proctor não é exatamente uma unanimidade no mundo científico. Pelo contrário. Pesquisadores com muitos anos de experiência contestam os resultados de seus estudos sobre a ciência nos tempos de Hitler. "Proctor afirma que os nazistas fizeram boa ciência, ainda que com propósitos malignos. Isso é uma bobagem. Tenho estatísticas em meus livros que mostram que os nazistas não chegaram nem perto de derrotar o câncer. Na época em que as publiquei, Proctor ainda era um bebezinho recém-saído das fraldas", diz o historiador Michael Kater. 
       O professor de Stanford, porém, está longe de ser um acadêmico isolado por seus pares. Matérias favoráveis a respeito de seu trabalho foram publicadas nas conceituadas revistas científicas Nature, Science e New Scientist. Proctor acredita que a visão que se tem do nazismo ainda é simplificadora e estereotipada. "A ciência nazista tem de ser estudada em toda a sua complexidade", afirma.
       Lançar um novo olhar sobre a ciência alemã no período nazista foi exatamente o objetivo do mais ambicioso projeto histórico já feito pela Sociedade Max Planck, que controla 80 dos mais importantes institutos de pesquisa da Alemanha. O resultado do estudo, que consumiu mais de 6 anos de trabalho, foi divulgado no ano passado e chacoalhou tudo que sabíamos a respeito da ciência nazista. A antiga tese de que os laboratórios eram controlados por um punhado de monstros impiedosos e desumanos, que não produziram nenhum conhecimento valioso para a humanidade, caiu por terra. 
       A nova pesquisa revelou que muitos dos então melhores cientistas da Alemanha viram o regime nazista não como uma ameaça, mas como uma oportunidade de adquirir status pessoal e financiamento para seus estudos. 
      Para isso, eles deliberadamente procuraram fazer ciência sobre os temas que mais interessavam aos chefões nazistas e se engajaram em experimentos antiéticos que seguiam rigorosamente as regras dos métodos científicos mais avançados da época. O estudo da Sociedade Max Planck provou que as fronteiras que separaram os cientistas comuns dos torturadores nos campos de concentração não são tão claras e ressuscitou um espinhoso dilema que permanece em aberto na comunidade científica internacional: o que fazer com os resultados obtidos nas experiências?

Dados da discórdia
      "Eu não queria ter de usar os dados nazistas. Mas não existem outras opções para a minha pesquisa. Nem nunca existirão num mundo ético", diz o médico John Hayward, da Universidade de Victoria, no Canadá, que estuda os efeitos do frio no corpo humano.   
      Apesar da defesa contundente de Hayward, a validade científica dos experimentos que ele usou é criticada por alguns pesquisadores. "Os dados são péssimos. Não havia livros de controle, métodos estatísticos nem repetição de experimentos em condições similares. Eles não têm uso nenhum para a ciência", afirma Michael Kater, reconhecidamente uma das maiores autoridades mundiais no assunto. 
      Robert Lifton, que entrevistou os doutores nazistas, também diz ter razões para duvidar da validade das experiências. Mesmo assim, defende sua utilização pela ciência. "Os médicos nazistas usavam como assistentes prisioneiros do campo, gente muito mais preocupada com a própria sobrevivência do que com a acuidade das pesquisas", diz. "Mas qualquer dado que sirva para poupar sofrimento humano deve ser usado."
      Mas afinal, que dados são esses? Robert Proctor dá um exemplo: "Todos os coletes salva-vidas hoje em dia são desenhados para aquecer o pescoço justamente porque os nazistas provaram que isso aumenta as chances de sobrevivência dos náufragos em água gelada".
      Outro caso polêmico envolveu a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA). Em 1989, seus especialistas foram chamados a definir regras para a utilização do fosgênio, um gás tóxico usado na fabricação de plásticos e pesticidas. O problema é que não havia estudos detalhados sobre o efeito do fosgênio em humanos - os únicos dados conhecidos sobre o assunto foram produzidos em experiências nazistas durante a Segunda Guerra. 
      Entre utilizar essas pesquisas e arriscar a vida da população americana com uma legislação perigosa, a EPA não hesitou em escolher a segunda opção.
      Mas há razão para descartar sumariamente os dados? Segundo um editorial do jornal científico Nature, não deveríamos decidir precipitadamente. "O estudo da Sociedade Max Planck descobriu que grande parte das pesquisas mais criminosas conduzidas pelos nazistas não era pseudociência - na verdade, elas seguiam métodos científicos tradicionais e estavam na vanguarda dos estudos produzidos no período." 
      Dentro dessa revisão histórica e metodológica das pesquisas, não estão excluídas nem as do médico mais sanguinário que já passou pela face da Terra. "Agora ficou claro o que os relatos macabros que demonizaram Mengele tendiam a encobrir: seus experimentos não eram baseados em puro sadismo, e sim em interesses científicos que, levando-se em consideração os conhecimentos da época, não eram totalmente implausíveis", afirma a alemã Susanne Heim, líder do estudo da Sociedade Max Planck.
      Se ainda não há unanimidade em torno da criteriosa pesquisa nazista sobre o câncer, é compreensível que o uso dos dados obtidos de maneira antiética continue sendo polêmico.
      Mas negar a existência de progressos científicos no período nazista não parece ser uma atitude que vá contribuir para uma melhor compreensão da história. Olhar para o lado positivo, se é que ele existe, do período mais desumano pelo qual a ciência já passou é difícil para nós, que vivemos 60 anos depois de todas essas pesquisas macabras. 
      Que dizer, então, para pessoas que passaram a vida debruçadas em estudos exaustivos sobre as atrocidades ou convivendo diariamente com os traumas que elas deixaram. "Não há ciência no inferno de Dante", diz o historiador Michael Kater. 
      Mas talvez, por mais duro que seja, tenhamos de admitir que existiu ciência mesmo no inferno. Se isso acontecer, será preciso refletir sobre uma nova e inquietadora questão: é justo usarmos o sofrimento de Bluma Reicher e dos milhares que passaram pelas mãos dos doutores de Hitler para tentar evitar que mais pessoas sofram no mundo de hoje? Para essa pergunta, infelizmente não existe fórmula, equação, experimento ou qualquer outro meio científico de obter uma resposta exata.

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