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segunda-feira, 25 de julho de 2011

Eu Sou o Último Judeu - Treblinka (1942-1943)




"Eu Sou o Último Judeu" traz relato inédito de sobrevivente de campo de concentração

Apenas 57 judeus sobreviveram ao campo de concentração Treblinka .É razoavelmente comum encontrarmos livros que trazem relatos sobre sobreviventes de campos de concentração nazistas, como Dachau e Auschwitz. Mas isso não acontece quando tratamos de Treblinka, e o motivo é o pior possível.

Dos cerca de 750 mil prisioneiros --em sua esmagadora maioria, judeus dos guetos de Varsóvia, capital da Polônia-- que foram enviados para lá, apenas 57 sobreviveram. Chij Rajchman foi um dos que estavam na revolta que deu liberdade a algumas poucas pessoas, permitindo que elas pelo menos lutassem por sua sobrevivência. Ele foi um dos últimos a conseguir escapar nesta ocasião.

Ainda fugitivo e sem saber se conseguiria chegar vivo ao final da Segunda Guerra Mundial, ele começou a escrever febrilmente sobre as terríveis experiências pelas quais tinha passado em Treblinka. Até agora inédito, este impressionante relato é publicado no Brasil com o nome de "Eu Sou o Último Judeu" (Jorge Zahar, 2010), em uma edição complementada por fotografias, mapas e plantas do campo de extermínio.

Horror

Durante os dez meses em que esteve preso lá, Rajchman sobreviveu de maneira quase que inexplicável. Viu incontáveis execuções e empalamentos, testemunhando algumas das piores atrocidades cometidas pelos seguidores de Hitler.

Ele próprio carregou cadáveres em decomposição e arrancou dentes de ouro dos mortos para dar aos nazistas. Em depoimento ao Museu do Holocausto de Washington, ele afirma que foi obrigado a cortar o cabelo de várias mulheres antes que elas fossem mortas em uma câmara de gás.

Após a guerra, testemunhou em diversos processos judiciais e se mudou para o Uruguai, onde viveu até a sua morte, em 2004.





Trecho do livro
Em vagões chumbados rumo a um destino desconhecido. Os vagões tristes me carregam para lá. Eles vêm de toda parte: do leste e do oeste, do norte e do sul. De dia e de noite, seja qual for a estação: primavera, verão, outono, inverno. Os comboios chegam lá abarrotados, incessantemente, e Treblinka prospera mais a cada dia que passa. Quanto mais comboios chegam, mais Treblinka consegue absorvê-los.

Partimos da estação de Lubartow, a cerca de 20km de Lublin.

Assim como todos nós, não sei para onde nos levam, nem por quê. Tentamos saber mais sobre isso durante o trajeto. Os guardas ucranianos que nos vigiam não dão mostras de nenhuma benevolência e se recusam a nos responder. A única coisa que ouvimos deles é: "Ouro, prata, objetos de valor!" Os assassinos não nos deixam em paz. Não se passa um instante sem que um deles nos aterrorize. Agridem-nos com coronhadas, e todos tentam molhar a mão desses criminososa fim de evitar os golpes.

Eis o retrato do nosso comboio.

Estou com a minha irmã caçula Rivke, uma bonita garota de 19 anos, e um de meus bons amigos, Volf Ber Rojzman, sua mulher e seus dois filhos. Conheço quase todos os que estão no vagão. Eles vêm do mesmo shtetl (do iídiche, "lugarejo", com maioria de população), Ostrow Lubelski. Somos 140, espremidos uns contra os outros, respirando um arviciado. Como é impossível nos deslocarmos, somos obrigados a fazer nossas necessidades no local, embora homens e mulheres estejam misturados. Ouvimos gemidos, e as pessoas perguntam-se umas às outras: para onde vamos?

Respondem dando de ombros e soltando um suspiro. Ninguém sabe para onde vamos, e, ao mesmo tempo, ninguém queracreditar que somos levados para onde há meses nossos irmãos e irmãs, todos os nossos, são deportados.

Outro amigo, Katz, engenheiro, está sentado ao meu lado. Ele me garante que vamos para a Ucrânia e que seremos instalados fora das cidades, que poderemos cultivar a terra. Ele sabe disso, pois um tenente alemão lhe contou. Era o diretor de uma fazenda estatal que fica a 7km do nosso shtetl, em Jedlanka. Ele lhe faz essa confidência para lhe agradecer por ter consertado um motor elétrico. Quero acreditar nisso, a despeito das aparências.

Avançamos. Nosso comboio para com muita frequência, interrompido pela sinalização, pois não é prioritário e deve deixar passar os trens regulares. Passamos por diversas estações, entre as quais Lukow e Siedlce. A cada vez que o trem para, peço aos ucranianos que descem à plataforma para nos arranjarem água. Não respondem, mas, se lhes dermos um relógio de ouro, eles nos trazem um pouco dágua. Muitos entregaram seus objetos de valor sem receber em troca os poucos goles prometidos.

Tenho sorte. Peço um pouco dágua a um ucraniano, ele exige cem zlotys por uma garrafa. Aceito. Pouco depois, ele volta com meio litro. Pergunto-lhe quanto tempo de viagem temos pela frente. Ele me responde: três dias, pois vamos para a Ucrânia. Começo a achar que é verdade. Faz praticamente 15 horas que partimos, e não percorremos mais de 120km.

"Eu Sou o Último Judeu" - Chil Rajchman - Pagina 27 à 29.

Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/livrariadafolha/ult10082u710002.shtml

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