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terça-feira, 12 de julho de 2011

Regulamento dos Campos de Concentração

Chegada dos presos políticos no campo de concentração
 de Oranienburg. Oranienburg, Alemanha, 1933.

Uma caixa pescada no lago Toplitz pelo governo austríaco continha vários resumos de matrículas referentes ao campo de Oranienburg, e diferentes notas ou circulares da administração interna. Em meio a esses papéis, um documento surpreendente de se ler: o Regulamento do campo de concentração, datado de 6 de novembro de 1942.


Quando se sabe que todos os "regulamentos" foram queimados nas horas que precederam 
a libertação dos campos, que todos eles eram calcados em um modelo único preparado 
pelos assessores de Heinrich Himmler, contendo somente a sua assinatura, e que, 
enfim o modelo original "inaugurado" em Oranienburg em 1933 sempre foi imposto a 
todos os comandantes de campos, esse exemplar pescado em Toplitz sublinha a 
gigantesca defasagem que existia entre a ficção da direção central e a realidade 
cotidiana nos campos. Um regulamento semelhante ao que se vai ler (provavelmente 
com codicilos próprios de Mauthausen) estava afixado no vestíbulo do comandante Ziereis. 


I. PARTE GERAL 

Os detentos dos campos de concentração, sem distinção de idade, origem e classe, 
estão colocados em uma situação subalterna e são obrigados a obedecer, imediatamente 
e sem discussão, às ordens de seus superiores. Tratando-se de detentos, são 
também superiores os agentes de escolta das empresas SS (reconhecíveis por suas 
braçadeiras vermelhas), bem como os detentos encarregados de manter a ordem no 
campo, reconhecíveis por sua braçadeira especial. Os detentos rebeldes, refratários 
às instruções recebidas e que, de uma maneira qualquer, põem em perigo e 
perturbam o silêncio e a ordem no campo, serão punidos em virtude do 
regulamento disciplinar, de acordo com a gravidade do delito. 

O campo de concentração é um estabelecimento de correção de um gênero todo 
particular. Boa conduta, assiduidade ao trabalho, constância na realização do dever 
e modo de pensar conformista são as condições preliminares para a libertação. O 
campo é mantido sob um regime essencialmente militar. 

O uniforme deve estar sempre limpo, arrumado e abotoado. É proibido ficar com 
as mãos nos bolsos, levantar a gola, escarrar, bem como jogar no chão papel, 
embalagens de cigarros e fósforos. 

Ficam proibidos: as conversas políticas, a invenção ou propagação de boatos, bem 
como os jogos de cartas e de dados e qualquer jogo de azar em geral. 

É proibido comerciar o que quer que seja, trocar ou emprestar dinheiro. 

Os objetos de valor, tais como relógios de pulso, anéis, canetas-tinteiro, etc, 
devem ser entregues à rouparia. 

O espírito de camaradagem é um dever. 


II. OS SUPERIORES 

Cada membro da SS é um superior. Deverá ser chamado de Herr Kommandant, 
Herr Lagerführer, Herr Rapportführer, Herr Arbeitsdienstführer, Herr Blockführer. 

Ao se aproximar um superior, prontamente seu chapéu deverá ser retirado, seis passos 
antes, o detento passará adotando uma postura estritamente militar, com os olhos 
voltados para a frente, e recolocará o chapéu seis passos depois. 

Quando um detento for chamado, deverá gritar: "Presente", parar a seis passos do 
superior e responder com voz alta e inteligível. Para se retirar, dará uma 
meia-volta impecável e voltará correndo ao seu lugar. Quando um membro da SS 
entrar em um barracão, gritará: Em seus lugares, fixos e cada detento se colocará em 
posição de sentido, com o olhar fixado no superior.

 Quando um detento entrar em um escritório, deverá anunciar em voz alta Peço 
permissão para entrar. É proibido dirigir a palavra a um superior sem ordem. Cada 
pedido de audiência a um superior será transmitido por intermédio do Blockälteste 
(chefe de Block). São considerados superiores os contramestres, os chefes de 
mesa, de quarto, de Block e de campo. 

No trabalho, os detentos só cumprimentam em determinadas circunstâncias por 
ordem do vigilante SS.

Em caso de motim, de ataque violento ou de evasão de de-tentos, os vigilantes 
e sentinelas farão uso de suas armas. Em caso de ataques violentos, 
atirar-se-á imediatamente e sem intimação. Sobre fugitivos, atirar-se-á após intimação.

É proibido fumar dentro dos barracões e nos locais em que haja risco de incêndio. 
A ingestão de álcool é proibida aos detentos. 


III. ZONA NEUTRA E ÁREA DE VIGILÂNCIA 

O campo será rodeado por uma cerca de arame percorrida dia e noite por uma 
corrente elétrica de alta tensão. Isto representa um perigo de morte! A cerca será 
precedida por uma "zona neutra". Quem nela penetrar estará exposto a fuzilamento 
sem intimação. O local de trabalho será cercado por uma linha de sentinelas. É 
proibido transpô-Ia sob risco de ser fuzilado após intimação. 


IV. CHAMADA 

Cada detento é obrigado a assistir sem falta e sob quaisquer circunstâncias à 
chamada nominal. Assim que tocar o sino, cada qual deverá se apresentar correndo 
na praça de chamada, no local reservado para seu Block, alinhar-se-á e permanecerá 
em posição de sentido. Nas filas, é proibido falar ou voltar-se. 

Nota: a página nº 3 não constava do maço pescado no lago Toplitz (portanto, 
estão faltando no regulamento os pontos 5, 6 e 7). 


VIII. KOMMANDOS DE TRABALHO 

Cada detento será designado para um Kommando de trabalho. É proibido mudar 
de Kommando por iniciativa própria. Cada um deverá efetuar conscienciosamente 
e da melhor maneira possível o trabalho de que estiver encarregado. Aquele que, 
sem autorização, deixar seu posto, será acusado de evasão e severamente punido. 
Não é permitido entrar nos barracões SS ocupados. É estritamente proibido entrar 
em contato com civis. Quando, após a chamada nominal, for dada ordem de se apresentar 
ao Kommando de trabalho, cada um deverá apressar-se, sem barulho e sem falar, para 
juntar-se àquele de que fizer parte, incorporando-se ao grupo e formando fila. A partida 
será executada em passo cadenciado. À ordem: Descubram-se, todo o Kommando retira 
os bonés, segura-os com a mão direita sem dobrá-los e permanece com as mãos fixas 
ao longo da costura da calça, a cabeça alta, o olhar fixo diante de si, alinhado na 
fila seguindo o homem da frente. O mesmo processo se aplica quando do retorno 
do trabalho. 


IX. CONSERVAÇÃO DOS ARMÁRIOS 

A prateleira superior é destinada às cartas, à escova de dentes, ao material de barba, 
ao tabaco, etc. Na prateleira inferior ficarão a gamela (limpa e emborcada) e por cima 
a marmita igualmente emborcada. Por trás e à direita, o pão e outros víveres. Colher e 
faca serão colocadas na ombreira da porta. Todos os objetos, bem como o próprio 
armário deverão estar sempre impecavelmente limpos. O casacão, cuidadosamente 
dobrado, com o número de matrícula nitidamente visível ao alto, será colocado no 
fundo do armário. Os sapatos deverão ser limpos todas as noites antes do primeiro 
toque da campainha a três passos do barracão, depois engraxados ligeiramente e 
colocados diante dos armários. As meias deverão ser colocadas sobre o cano dos 
sapatos. É proibido levar meias para o dormitório. 


X. CORRESPONDÊNCIA 

A correspondência só será entregue ou expedida após ter sido censurada. Cada detento 
tem direito a receber e a escrever duas cartas ou cartões-postais por mês. A escrita deve 
ser legível e nítida. Uma carta anunciando a chegada ao campo poderá ser 
escrita imediatamente. Cada detento tem o dever de manter sua família informada. 
É-lhe proibido tratar de assuntos relativos ao campo, a doenças, a piolhos e de pedidos 
de licença. É-lhe igualmente proibido falar de dinheiro. A escrita deverá seguir as linhas. 
É proibido abreviar ou sublinhar. Somente serão autorizadas as informações de 
caráter pessoal. A correspondência deverá ser entregue em mãos ao Blockführer 
competente, aberta e munida de um selo levemente colado. O envio pelos detentos 
a seus familiares de encomendas ou pequenos embrulhos é proibido.

 Desde já, os detentos têm a possibilidade de receber de seus parentes encomendas 
de víveres. O número de encomendas que um detento pode receber é ilimitado. Todavia, 
no próprio dia da chegada da encomenda ou no máximo no dia seguinte, o detento 
deverá ter consumido seu conteúdo. Em caso de impossibilidade, os víveres serão 
divididos com outros detentos.

 Se um detento abusar do envio de encomendas fazendo passar mensagens 
secretas, ferramentas ou qualquer outro objeto proibido, será imediatamente punido 
com a pena capital. Quanto aos seus companheiros de barracão, ficam 
automaticamente proibidos de receber encomendas por um período de três meses. 


XI. ENVIO DE DINHEIRO 

Os detentos estão autorizados a receber ordens de pagamento de seus familiares. 
Seu montante será guardado pela administração financeira do campo em conta do detento 
em questão. A fim de permitir compras na cantina, cada titular de conta poderá dispor de 
15 RM por semana, mas nenhuma compra poderá ser feita sem que o pagamento 
seja efetuado por meio de bônus. É estritamente proibido aos detentos possuir 
dinheiro líquido (inclusive moeda estrangeira) ou escondê-lo nos barracões ou em 
qualquer outro lugar. Qualquer delito deste gênero será severa-mente punido e o 
dinheiro encontrado será confiscado em prol do Banco do Reich. 


XII. COLETA 

São proibidas coletas de qualquer espécie, com exceção de donativos voluntários 
para assinatura de jornais. Estes donativos devem ser registrados numa lista trazendo 
o número da matrí-cula e o nome e indicação da soma, seguindo-se a assinatura 
do interessado. O desconto dos jornais será também assinado pelo chefe de pavilhão e 
pelos dois chefes de quarto. Os documentos justificativos deverão ser 
regularmente submetidos ao Blockführer. 


XIII. REQUERIMENTOS E RECLAMAÇÕES 

Cada detento está autorizado a apresentar requerimentos e reclamações por escrito. 
Eles serão recolhidos pelo Blockführer que será obrigado a transmiti-los. Quando 
uma reclamação se referir a um Blockführer, ela poderá ser diretamente submetida 
ao Lagerführer. As reclamações coletivas, consideradas como atos de rebelião, 
são estritamente proibidas. Os detentos que desejarem se apresentar na reunião do 
alto-comando, devem informar, por escrito, aos seus Blockführer. 


XIV. RECREAÇÃO 

Durante a recreação, os detentos podem ficar à vontade, nas salas de estar de 
seus barracões, lendo, escrevendo cartas ou participando de jogos de salão. Os jogos de 
azar e a dinheiro, de qualquer espécie, são proibidos. 

É proibido penetrar em outros barracões, encostar-se nos prédios, fazer barulho, 
assoviar, cantar e jogar fora dos bar-racões, atravessar a zona de isolamento demarcada 
por pedras brancas (em torno dos Blocks 11 e 12), permanecer na alameda perto do 
jardim, bem como entre as barracas de vestiário e penetrar no campo novo. 

É permitido circular pelo local deixado livre para este fim dentro do recinto do campo. 
As reuniões e passeios de mais de três pessoas são proibidos. 

O rádio e a biblioteca do campo estão a serviço do estudo e das distrações. É 
permitido, com a prévia autorização do coman-dante do campo, receber jornais 
nacionais-socialistas. 


XV. USO DO TABACO 

É proibido fumar dentro dos barracões durante as horas de trabalho, bem como no 
decorrer do período que vai do retorno noturno até a chamada. É igualmente proibido 
fumar durante meia hora depois do despertar. 


XVI. DECLARAÇÃO DE DOENÇA E BANHOS 

Os detentos que estiverem doentes deverão se apresentar ao Blockführer. Um detento 
que se subtrair com premeditação ou intencionalmente ao tratamento, será punido, 
da mesma forma que aquele que simular uma doença. O tratamento na enfer-maria só 
poderá ser realizado antes e depois das horas de trabalho. O Blockführer divulgará as 
horas de consulta. Cada de-tento está obrigado a tomar parte dos banhos. A ida e a 
volta serão feitas em filas de cinco. 


XVII. INOBSERVÂNCIA DO REGULAMENTO 

Qualquer delito contra o regulamento do campo deve ser denunciado sem 
demora. Especialmente aquele que surpreender alguém preparando ou concordando com 
uma tentativa de evasão deve dar parte imediatamente, bem como de roubos, 
desvios fraudulentos, trapaças, contrabando de álcool, jogos de azar e atentado contra 
o artigo 175 do Código Penal alemão. 

Aquele que deixar de denunciar tais fatos sofrerá a mesma punição que o 
próprio delinqüente. 

Existe um caminho que leva à liberdade. Seus indicadores se chamam: 
obediência, assiduidade ao trabalho, honestidade, ordem, limpeza, 
sobriedade, preferência pela verdade, espírito de sacrifício e amor à pátria. 


                    Oranienburg, 8 de novembro de 1942.


Transcriação:  Daniel Moratori (avidanofront.blogspot.com)
Fonte: BERNADAC, Christian Bernadac - Dias Sem Fim, Ed. Otto Pierren Editores, pg 269-275

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